O termo veganismo está cada vez mais presente no dia a dia, marcas se posicionam diante do movimento com conscientização sobre a matéria-prima e recursos de produção, mas o que atrai o público para este estilo de vida que, na primeira impressão soa como limitador, mas quando adotado, pode ser libertador?
A Rede Cia da Saúde conversou com Gabriela Pimentel, uma engenheira de alimentos formada na Universidade Federal de Santa Catarina, que escolheu mudar de vida por conscientização, quando o estilo de vida não era comum nem no mercado.
Rede Cia da Saúde: Como foi adotar o veganismo como estilo de vida?
Gabriela Pimentel: Quando comecei a faculdade de engenharia de alimentos, já tinha cortado a carne da minha alimentação por causa dos animais. Quanto mais informação eu obtia nas aulas, quanto mais eu conversava com outras pessoas sobre o assunto, adotar veganismo como um estilo de vida parecia cada vez mais a única opção possível para mim. Já nas primeiras aulas comecei a aprender mais sobre a indústria do leite e algo que me marcou foi descobrir como era obtida a enzima para coagular o queijo. Descobri que o leite era ainda mais cruel com os animais do que a própria carne, o que não era exatamente intuitivo. Na época eu ainda consumia lácteos.
Até então, sem muito conhecimento sobre nutrição, eu sabia que poderia ser algo saudável, então cortei todas as outras comidas de origem animal. É complicado começar desse jeito, ouvi história de gente que vai pro veganismo sem saber o básico e acaba ficando doente. Na época, eu tive sorte de ter muito arroz e feijão/lentilha no restaurante universitário, então não tive problemas de saúde. Pelo contrário – especialmente quando larguei o queijo – senti uma melhora significativa na minha digestão e bem estar, no geral. A adaptação a outros produtos, além da alimentação, foi um processo um pouco mais longo. Dez anos atrás, achar produtos de higiene ou qualquer outro de origem vegana era mais complicado, não tinha o mesmo acesso de hoje, mas eu não tinha dúvidas: virar vegana foi a melhor decisão que eu poderia ter tomado!
Rede Cia da Saúde: Quais desafios que enfrentou com a família e amigos?
Gabriela Pimentel: Há 10 anos, quando decidi ser vegana, eu tinha 18 anos, então rolou uma preocupação quando disse ao meus pais, especialmente com relação a saúde. Naquela época, o veganismo não era tão associado a saúde como atualmente. Lembro do meu pai não se incomodar muito no primeiro momento, pois, segundo ele, era uma fase e logo passaria. Eventos em família, foram mais difíceis no começo, muita comida, mas nada que trazer opções veganas pro churrasco não resolva!
Com os amigos foi mais tranquilo, não me lembro de ter problemas. Estava na faculdade e tive sorte por ter amigos com mente aberta em relação ao novo estilo de vida.
Rede Cia da Saúde: Quais cuidados são necessários na hora do consumo?
Gabriela Pimentel: Acho que os primeiros meses de veganismo requerem o maior esforço: aprender quais produtos são veganos, onde encontrá-los e etc. Primeiro, entender quais ingredientes são de origem animal, pois alguns não são tão óbvios e antes de virar vegano dificilmente a pessoa sabe a procedência. Esse é um processo que não acontece de um dia para o outro. Depois, quando há um conhecimento básico, fica menos complicado.
Hoje está muito mais fácil que há 10 anos, quando comecei. Há mais produtos que dizem claramente se o produto é vegano, se foi testado em animais, sem contar os vários canais digitais onde é possível encontrar dicas do que consumir ou não. Tem muita informação disponível na internet (ainda bem!). Onde moro hoje, a maioria dos produtos veganos (especialmente comida e produtos de higiene) estão muito bem sinalizados, o que economiza muito o tempo que antes se passava lendo rótulo. Ainda leio rótulos, mas por curiosidade e para entender o que estou consumindo – não necessariamente para identificar se é vegano.
Rede Cia da Saúde: Quais os preconceitos x admiração de quem te conhece como uma pessoa vegana?
Gabriela Pimentel: Já ouvi de tudo nesses 10 anos como vegana. Nos primeiros anos, as reações eram mais hostis:
– Você vai ficar anêmica
– E as proteinas?
– Nossa! Você é vegana? Não tem cara (como se veganos tivessem cara de doente e/ou hippie)
– Mas e as plantas?
Uma professora na graduação até ironizou que era melhor arranjar um marido rico pois não iria achar emprego se eu recusasse a indústria da carne e leite.
Que bom que essa imagem tem mudado bastante, mas ainda temos um caminho longo a seguir. Eu e meu namorado, que também é vegano, ainda temos que ouvir piadas no churrasco em família.
No Brasil, a carne ainda é relacionada com masculinidade, então o teor das piadas já vêm com bastante machismo e homofobia (além de especismo). Mas nem todo mundo é hostil e faz piadas, outros já chegam pedindo desculpas. As vezes me sinto como um padre no confessionário quando, por exemplo, no meu trabalho, cada vez que alguém almoça carne na minha frente, a pessoa pede desculpa e começa a contar o quão frequentemente come carne e o quanto está tentando cortar da alimentação, como se tivesse confessando um pecado e se mostrando arrependido/envergonhado. É até engraçado o efeito de você estar só ali, na sua, comendo seu almoço vegano, só isso já é um gatilho para as pessoas.
Hoje, no país onde moro, a reação mais comum que observo é de curiosidade:
– Nossa que legal, você pode me dar umas dicas?
Tem muita gente preocupada, especialmente com o meio ambiente, sustentabilidade, então penso que o veganismo está ficando mais popular por causa disso, mesmo sendo uma causa pró animal na sua essência.
Em resumo, hoje em dia, percebo muito mais a admiração do que hostilidade quando conto que sou vegana!
Rede Cia da Saúde: Como o veganismo ajuda na saúde?
Gabriela Pimentel: Uma alimentação sem nada de origem animal, quando feita de maneira correta, pode ser saudável, para todas as idades. Isso já é reconhecido internacionalmente por instituições de saúde ao redor do mundo, como, por exemplo, pela Academia de Nutrição e Dietética dos EUA. Lembro disso não ter sido tão enfatizado durante minha graduação no Brasil, mas o Programa Ciências Sem Fronteiras trouxe a oportunidade de estudar em universidades de outros países, onde até mesmo os professores que não eram fãs do veganismo, que achavam isso “extremo”, já reconheciam os benefícios da alimentação plant based.
No geral, uma alimentação de origem vegetal balanceada possui boa quantidade de fibras, isso ajuda na saúde intestinal. A quantidade de gordura saturada é menor do que em dietas de origem animal, o que auxilia no controle do colesterol. Além disso, um vegano com dieta balanceada vai consumir mais frutas e vegetais, ou seja, mais vitaminas e antioxidantes (famosos por ajudarem na prevenção de doenças como câncer).
No entanto, veganos precisam ter atenção na vitamina B12, que precisa ser suplementada, porque não é encontrada em alimentos de base vegetal. Essa vitamina, presente em alimentos de origem animal, não é produzida pelos animais, mas sim por bactérias. Inclusive, na indústria da carne, acontece de os próprios animais receberem suplementos de B12.
Já sobre as proteínas, combinar um grão (por exemplo arroz) com uma oleaginosa (feijão, lentilha), resulta em uma mistura com todos aminoácidos essenciais, ou seja, proteína completa. É muito difícil um vegano ter deficiência em proteína, ao contrário do que muita gente ainda pensa. Esses foram só alguns exemplos do porquê a alimentação sem nada de origem animal pode ser tão saudável como pode auxiliar na prevenção de várias doenças, como cardíacas, certos tipos de câncer, diabetes, entre outras.
01 de Novembro – Dia Mundial do Veganismo
Parabéns aos veganos por essa escolha de vida saudável.
Quer saber mais sobre plant based? Confira a live com as nutris Luana Zapelini e Carla Espíndola sobre o tema.